Assim como a maioria das áreas de conhecimento da humanidade, a arte sofreu e promoveu no último século um volume de rupturas e mudanças nunca antes observado na história. No entanto, enquanto a evolução de muitas ciências direcionou-se para o desenvolvimento de leis e modelos cada vez mais específicos, precisos e controláveis, a arte não só deu continuidade como intensificou sua vocação pela busca do desprendimento das normas e padrões pregados pela antiga academia.
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Para trazermos tal reflexão ao nosso cotidiano, basta compararmos o ofício de um analista financeiro preparando um relatório dos resultados de uma empresa, ou de um bacterologista avaliando a melhor composição de antibióticos a ser receitada para seu paciente, com a atividade de um artista construindo uma instalação a ser exposta na bienal de Veneza. Apesar da competência de ambos estar associada a aspectos comuns como conhecimento técnico, raciocínio lógico, capacidade analítica e bom senso, não há dúvida de que a liberdade de ação e as possibilidades de criação são mais amplas para o artista. Da mesma forma, a abertura e a tolerância pelo “diferente” estão mais presentes nas expectativas do público frequentador de mostras do que no conselho de acionistas da empresa ou na família do paciente.
Muito se tem ouvido a expressão “inclusão social” nos debates e projetos destinados à melhoria das condições de vida de pessoas com deficiência. Trata-se de uma filosofia adotada pela UnescoSite externo. que defende o convívio de segmentos historicamente excluídos com o restante da sociedade (seja qual for o ambiente; escola, trabalho, lazer) e a participação de ambos no processo de eliminação de barreiras arquitetônicas e atitudinais como formas de se conquistar a igualdade de oportunidades. Em outras palavras, acredita-se, hoje, que o preconceito existente é fruto da desinformação de muitos. Para eliminá-lo, devemos abandonar modelos simplistas como o da “escola especial” ou da oficina abrigada de trabalho.
Ao pensarmos no fazer artístico e suas peculiaridades, podemos rapidamente identificar duas conexões com a causa inclusivista. Primeiramente, seu desprendimento do rigor quanto a paradigmas pré-estabelecidos comentado anteriormente, abre portas àqueles cujo desempenho motor é comprometido por algum tipo de limitação corporal. Para se produzir uma obra de arte de qualidade, o artista não depende, necessariamente, de um traço ou de uma pincelada tão precisos e lineares como os de um projetista industrial. Existe espaço para o gestual, o aparentemente impreciso. Em segundo lugar, o campo das artes pressupõe a exposição, a relação direta entre o artista e seu público. Ao incentivarmos iniciativas artísticas acessíveis a potenciais protagonistas com alguma deficiência, estamos também colaborando para a disseminação de algumas das condições que, como vimos, dão sustentação a qualquer pretensão de se construir uma sociedade inclusiva. |