A pessoa com deficiência e o sonho de conduzir um veículo
Chave girando, um pé no acelerador, outro na embreagem. Começar o dia enfrentando o trânsito é uma realidade nas cidades. Ônibus, carro, moto ou bicicleta não escapam do transtorno diário das ruas. Mas motoristas e pilotos com deficiência física enfrentam processos burocráticos ainda mais emaranhados e demorados.
Quem já passou pelo teste do Departamento Estadual de Trânsito (Detran) sabe o nervosismo que é botar as mãos no volante e sair pela cidade com alguém sisudo ao lado anotando seus erros. Imagine-se, então, em um teste com quatro pessoas atentas a todos os movimentos do condutor: esse é o modelo da prova final de um deficiente físico para que possa ganhar o direito de conduzir um veículo automotor.
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Corregedor Fábio Ferreira acompanha de perto a realização das provas práticas (Foto Angela Peres/Secom) |
Antes de chegar ao pátio de testes, muitos desafios são lançados. O corregedor da autarquia, Fábio Ferreira, esclarece que só existem duas diferenças entre o processo de habilitação convencional e aquele aplicado à pessoa com deficiência. No exame clínico é preciso passar por uma junta médica que identifica o tipo de deficiência e determina quais adaptações no veículo serão necessárias, já que as aulas práticas precisam ser realizadas em um carro já adaptado.
Aqui nasce o primeiro e principal problema do deficiente aspirante a motorista: “As autoescolas não possuem carro adaptado”, afirma o corregedor. Assim, fica a cargo do aluno conseguir um carro em que possa fazer as aulas práticas e, por fim, enfrentar o teste de direção. Mas, como seguir em frente sem um carro adaptado corretamente e sem o interesse das autoescolas em fornecer o veículo?
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Francisca, professora e estudante universitária, obteve sua CNH há cerca de quatro anos (Foto Angela Peres/Secom) |
Mas também podem surgir outros problemas. Francisca de Araújo, professora e estudante universitária, tem, como deficiência decorrente de poliomielite contraída na infância, a perna esquerda mais curta e a perna direita sem coordenação motora. Ela obteve sua Carteira Nacional de Habilitação (CNH) há quatro anos. Mas recorda com detalhes o transtorno pelo qual passou quando iniciou o processo de habilitação, em 2009. A professora revela que no início as aulas eram improvisadas e “o instrutor não tinha paciência. Ele fazia com que eu me sentisse uma pessoa incapaz”, relata.
OS CAMINHOS
A autarquia estadual de trânsito recebe em média 20 pedidos de junta médica por mês. Só com o resultado da perícia o solicitante tem o direito de comprar um veículo com todas as adaptações necessárias e com o desconto previsto em lei. O cidadão que se sentir prejudicado pelo resultado da avaliação pode ingressar com recurso administrativo no Conselho Estadual de Trânsito (Cetran) e contestar o resultado.
Na banca prática especial, formada por um médico, um representante do Cetran e dois examinadores de trânsito, os profissionais verificam se as adaptações atendem às normas segurança e se o candidato realmente está apto a conduzir o veículo. Por mês, em média duas bancas de direção veicular especial são realizadas. Em Rio Branco, cerca de 80% dos candidatos dessas bancas são aprovados - em todo o Estado o número é de 58%.
DIREITOS GARANTIDOS
Edileudo Rocha, professor da rede pública, faz uso de prótese ortopédica há 27 anos. O servidor disse que procurou o Detran para se informar a respeito da isenção de alguns tributos, como Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), concedido à pessoa com deficiência na compra de um veículo novo. Ele lembra que deu entrada no processo pensando, inicialmente em comprar um carro novo e que somente após receber o veículo na concessionária resolveu se habilitar.
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Edileudo e Roberval lembram como foi difícil passar pelo processo de habilitação Francisca, professora e estudante universitária, obteve sua CNH há cerca de quatro anos (Foto Angela Peres/Secom) |
Durante o período de aprendizagem, Edileudo chegou a fazer algumas adaptações no veículo por conta própria. Ele lembra as dificuldades que enfrentou para aprender a dirigir e a sorte de ter encontrado um instrutor dedicado, que acabou se tornando um grande amigo. “Meu instrutor, sem experiência com veículos adaptados, teve que aprender a dirigí-lo antes de mim. Na época, nenhuma autoescola de Rio Branco possuía veículo com as adaptações necessárias, mas hoje a situação é um pouco melhor”, declarou.
Roberval Rodrigues, presidente da Associação dos Deficientes Físicos do Acre, diz que a maior dificuldade para que a pessoa com deficiência possa ter acesso a todos os benefícios garantidos pela lei é a falta de informação e o próprio desinteresse. “Só com a instrução correta os cidadãos terão acesso às políticas públicas específicas para o grupo e lutar por igualdade e melhorias na oferta desses direitos”, disse.
ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
O Ministério Público Estadual (MPE), por meio da Promotoria de Defesa da Cidadania, tem atuado de maneira constante nas causas envolvendo os direitos da pessoa com deficiência. E, de maneira mais específica, nas ações coletivas em que esses direitos são eventualmente cerceados.
Rogério Voltolini Munõz, promotor de justiça, afirma que em alguns casos existem questionamentos relacionados à junta médica à qual os candidatos são submetidos. A orientação é de que o cidadão que se sentir prejudicado busque o auxílio da Defensoria Pública do Estado (DPE). “Se existe um laudo pericial desfavorável e o cidadão questiona a validade do documento, nós orientamos que ele busque destituir a decisão, porém, isso acontece com pouca frequência”, explicou.
O MPE tem trabalhado em parceria com o Detran e a Superintendência Municipal de Trânsito (RB Trans) para garantir o direito constitucional de ir e vir. O número de vagas reservadas em estacionamentos foi ampliado, e as calçadas recuperadas pela prefeitura permitem acesso de cadeirantes e deficientes visuais. Além disso, as fiscalizações têm sido intensificadas para garantir o cumprimento da lei; na capital são 38 agentes do Detran e o reforço dos pelotões de trânsito em todos os batalhões da Polícia Militar.
ISENÇÃO DE IMPOSTOS PARA AQUISIÇÃO DE VEÍCULO
O portador de necessidades especiais tem direito à isenção de alguns impostos estaduais e federais que incidem sobre o valor total para aquisição de veículos novos. A isenção do IPI e do ICMS pode reduzir em até 35% o valor do bem. Além disso, o proprietário do veículo pode solicitar à Secretaria de Estado de Fazenda (Sefaz) a isenção anual do Imposto sobre Propriedade de Veículo Automotor (IPVA).
O cidadão interessado em obter o benefício deve contatar a Procuradoria Jurídica do Detran, preencher o requerimento de isenção de impostos e anexar toda a documentação pessoal necessária (cópia do RG, do CPF e laudos médicos).
O PAPEL DO GOVERNO
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"As exigências legais têm que ser cumpridas, mas um grande número de pessoas com deficiência tem conseguido se habilitar" afirma Sawana (Foto: Gleilson Miranda/Secom) |
Para a diretora-geral do Detran, Sawana Carvalho, os investimentos feitos pelo governo do Estado para a ampliação do acesso das pessoas com deficiência às políticas públicas de trânsito têm avançado de maneira considerável. “Hoje o processo é muito mais acessível e menos burocrático. Claro que as exigências legais têm que ser cumpridas, mas um grande número de pessoas com deficiência tem conseguido se habilitar e ter direito à locomoção”, afirmou. |