Brasileiros com deficiência já conseguiram quebrar a invisibilidade, mas ainda não venceram o problema da acessibilidade. A afirmação é de Damien Hazard, integrante da Organização VidaBrasil e da Abong – Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais.
De acordo com Hazard, que participou na manhã de sábado (25) do painel Cidades, Mobilidade e Inclusão Social, realizado no Mezanino do Salão de Atos da UFRGS, as políticas públicas para as pessoas com deficiência atravessam uma situação de abandono há séculos. Criadas no século XIX, as instituições para pessoas com deficiência se multiplicaram no século XX.
Tratavam-se, segundo Hazard, de espaços especializados para pessoas com deficiência, que as recolhiam – uma vez abandonadas - e as colocavam dentro de espaços fechados, sem mobilidade. “Na verdade, era uma política de segregação social. E a gente ainda vive sob o domínio dessa política de segregação espacial”, explicou.
Quando essas instituições, no Século XX, começaram a pensar em incluir o atendimento às pessoas com deficiência, prestando assistência social, assistência em saúde, educação e lazer, começou a haver uma política de integração. Essa nova forma de atendimento tenta qualificá-las ao máximo para que se integrem à sociedade. Trata-se do processo da inclusão, segundo Hazard.
Nos anos 1980, no Brasil, com a legislação da pessoa com deficiência, começaram a existir as primeiras organizações de pessoas com deficiência, e não somente para essas pessoas. No Rio de Janeiro, na Bahia, no Rio Grande do Sul, essas organizações passaram a recusar a lógica vigente, que era a do modelo médico da deficiência.
Na época, o entendimento (modelo médico) era de que, se uma pessoa não consegue se integrar na sociedade, é porque ela tem uma deficiência - e então está em desvantagem. “Era uma relação de causa e efeito, que responsabilizava essa desvantagem pela deficiência da pessoa. Mas o modelo médico começou a ser contestado pelas novas instituições, que passaram a propor um modelo social, cidadão”, explica o integrante da Abong. Segundo ele, a nova proposta dizia assim: se a gente não consegue se relacionar com a cidade como cidadão, é porque a deficiência é da cidade, não da gente. Portanto, uma lógica inversa, que em vez do modelo da integração, sugere o da inclusão, no qual o que deve ser mudado é o espaço social das pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida (inclui a pessoa idosa).
24% DOS BRASILEIROS POSSUEM ALGUM TIPO DE DEFICIÊNCIA
O censo brasileiro de 2000 incluiu, pela primeira vez, uma pergunta sobre a pessoa com deficiência. Em 2010, o censo apontou que 24% da população brasileira apresentava algum tipo de deficiência – física, sensorial ou intelectual. Ou seja, um em cada quatro brasileiros. Deste contingente de pessoas, o censo apontou deficiências em 1/3 de mulheres negras; em 70% das pessoas acima de 65 anos; residentes especialmente na região Nordeste do País, e na no Norte. Juntas, as duas regiões somam mais de ¼ da população brasileira. “Não dá para considerar que a acessibilidade seja problema de uma minoria”, apontou Damien.
A nova abordagem das pessoas com deficiência foi então mudar a sociedade, tornando os lugares mais acessíveis - a acessibilidade permeia todos os direitos das pessoas. “Acreditamos, na nossa organização, que é preciso acrescentar três aspectos na acessibilidade e mobilidade: o ideológico, a dimensão política e a dimensão técnico-vocacional. Acreditamos que todos os novos conceitos que surgiram com o impulso das próprias pessoas com deficiência formaram uma base muito sólida para repensar as leis do ponto de vista da inclusão na sociedade”, afirmou Hazard.
Muitos instrumentos políticos nesse sentido surgiram, principalmente, nos 10 últimos anos. Hazard citou, como exemplo, a Libras – Língua Brasileira de Sinais - usada pelas pessoas com deficiência auditiva, que hoje é a segunda língua nacional. “Surdos do mundo inteiro olham para o Brasil e dão os parabéns”, disse. Entretanto, existem ainda muitos problemas de acesso nos espaços públicos. “Pensar a acessibilidade é pensar além de uma adaptaçãozinha. A gente precisa projetar de forma acessível”, afirmou Damien. |