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'Coitadinhos'? Com alto rendimento, imagem de atletas paraolímpicos muda

Atletas, como o brasileiro Alan Fonteles, treinadores, torcedores e dirigentes falam sobre novo olhar da sociedade perante os esportistas deficientes.

O Mundial Paralímpico de Atletismo, que terminou neste domingo em Lyon, na França, confirma uma mudança sentida a partir das Paralimpíadas de Londres, no ano passado. Os atletas deficientes já não estão sendo tratados mais como "coitadinhos". Com o desenvolvimento dos treinamentos e o investimento na formação, o alto rendimento chegou de vez. Nas pistas, a luta maior é pela superação das marcas, não apenas das deficiências.

Alan Fonteles: três ouros em Lyon, recorde em
Londres e carinho no fã-mirim (Foto: Getty Images)

A mudança é sentida entre atletas, dirigentes e torcedores que estiveram no estádio Rhône, na cidade francesa. Alan Fonteles, que saiu de Lyon consagrado com três medalhas de ouro e uma de prata, se vê como um dos exemplos desta mudança.

- Hoje eu tenho tempo de atleta convencional. Não tem mais essa história de 'Ah, os atletas paralímpicos são coitados'. Eu mostrei isso e outros atletas paralímpicos também mostraram a nossa capacidade e aonde a gente pode chegar – disse o brasileiro, detentor do recorde mundial nos 200m T43 (20s66), que lhe daria o oitavo tempo na final das Olimpíadas de Londres.

Quando deixou as Paralimpíadas de Londres, a canadense Michelle Stilwell, três ouros em Lyon na classe T54, em cadeira de rodas, disse que pela primeira vez a maioria dos jornalistas fizeram perguntas apenas sobre o brilho e o talento dos atletas. Presidente do Comitê Paralímpico Internacional (IPC, sigla em inglês), Philip Craven cita as Paralimpíadas anteriores a do ano passado como um marco na mudança das imagens dos atletas. Barcelona 1992 atraiu pela primeira vez milhares de espectadores. Pequim 2008 mostrou que a competição tinha vindo para ficar. Mas a da capital britânica foi realmente especial.

Didier Roussef, torcedor paraplégico acompanha o Mundial em Lyon
(Foto: Leonardo Filipo)

- Londres nos deu uma energia que nunca havia acontecido e nos rumou para o futuro. Essa imagem de pobres atletas não existe mais no esporte paralímpico. A percepção negativa é transformada instantaneamente em experiências positivas – disse o dirigente.

Um avanço comprovado na França pela americana Tatyana McFadden, cadeirante que levou seis ouros em seis provas disputadas no Mundial.

- Acho que Londres fez um trabalho muito bom. O nível da competição foi muito alto. Acho que vai ser mais alto ainda no Rio. E a imagem do esporte paralímpico está mudando. Muitas pessoas vieram assistir este Mundial de Atletismo e isso é muito bom.

Uma dessas pessoas era Didier Roussef. Em sua cadeira de rodas, ele assistia pela primeira vez, ao vivo, a uma competição paralímpica. Elogiou Alan Fonteles e se entusiasmou com o desempenho do suíço Marcel Hug, cinco ouros em Lyon, e conhecido como “Bala de Prata” pelo capacete que usa em suas provas para cadeirantes. Didier diz que na França os deficientes ainda são vistos como coitados, mas que a situação vem melhorando ao longo dos anos. Ele espera que a disputa da competição no país ajude no processo.

Ao lado das amigas, voluntária Cassandre Perret exibe cartaz com autógrafos
(Foto: Leonardo Filipo)

Quando foi chamada para ser voluntária do Mundial, Cassandre Perret achou que pudesse levar um choque ao se deparar com pessoas amputadas. Viu que estava enganada. Com orgulho, exibia para as amigas o pôster da competição recheado de autógrafos de atletas:

- Estes são verdadeiros atletas, melhores do que os olímpicos.

O desenvolvimento das próteses, tanto esportivas quanto sociais, é um passo importante para a inclusão dos deficientes. Representante da Ottobock na América Latina, Wilson Zampini está de olho neste movimento. A empresa alemã, uma das patrocinadoras da competição, percebeu a necessidade do governo brasileiro em ajudar o deficiente fornecendo próteses, não por pena, mas para que ele volte ao mercado de trabalho.

- A família escondia o deficiente físico. Hoje em dia ele quer ir para a rua, trabalhar. A sociedade enxergou que ela tem a obrigação de dar uma oportunidade – disse Wilson.

Próteses são testadas e ajustadas na oficina no Mundial de Lyon (Foto: Leonardo Filipo)

As próteses não avançam só na tecnologia, mas no design também. Assim como um tênis ou com óculos escuros, é possível personalizá-las, pintando-as de rosa, com as cores de uma bandeira e até implantar pelos, como se fossem uma perna normal. Deficiente também é vaidoso, como constata Ciro Wickler, coordenador da equipe paralímpica de atletismo do Brasil:

- Os paralímpicos querem buscar os padrões da normalidade. Nós não estamos preparados para o que é diferente. É a estética do belo. Não estamos falando se é certo ou errado.

Vaidade que a cega mais rápida do mundo, Terezinha Guilhermina, persegue como os recordes mundiais. Não satisfeita em dominar as provas dos 100m, 200m e 400m T11, para deficientes visuais completos, ela se perfuma e se enfeita toda para correr. Adereços nos cabelos, vendas espalhafatosas e unhas e tênis coloridos são as suas marcas. Terezinha acredita que os atletas paralímpicos estão deixando de ser coitados para virarem heróis. Uma mudança extrema, que ela não vê apenas do ponto de vista positivo. Com o aumento do nível esportivo, haverá mais pressão.

Terezinha e seu estilo 'discreto': unhas pintadas, e muita cor
(Foto: Washington Alves / MPIX / CPB)

- Nem todo mundo vai conseguir ser um atleta de alto rendimento. Todavia, temos muitas pessoas com deficiência que estão se formando em universidades e estão se tornando grandes profissionais em diversas áreas. Falta um pouco de divulgação ainda. Mas o que esporte vem fazendo tem sido muito válido. Eu só tenho a agradecer por fazer parte desse movimento tão significativo para uma sociedade tão vítima de preconceito até então – diz a velocista, três ouros e três recordes mundiais nos 100m, 200m e 400m T11.

Joaquim Cruz acompanha a delegação dos
Estados Unidos em Lyon (Foto: Leonardo Filipo)

Joaquim Cruz trabalha no Comitê Paralímpico dos Estados Unidos há oito anos. O brasileiro campeão olímpico afirma que na terra do Tio Sam o deficiente tem mais oportunidade. Porém, a população ainda não conhece o esporte paralímpico, o que dificulta a descoberta de novos talentos para as modalidades. Joaquim acredita que no Brasil o deficiente físico ainda é tratado como doente, e por isso, quando um garoto vê uma oportunidade no esporte, agarra a chance com unhas e dentes.

As Paralímpiadas no Rio de Janeiro, em 2016, podem ser o marco que o país precisa para mudar de vez essa imagem.

   
FONTE: Globo Esporte [Leonardo Filipo] Topo ↑
 
 
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