Luana Cavalcante tem problemas de locomoção por falta de oxigenação no cérebro durante o parto, há 20 anos. Mas começa a andar com as próprias pernas na vida profissional com um projeto que pode levá-la longe. Aluna do sexto período do curso de design de moda da Universidade Veiga de Almeida (UVA), há um ano ela começou a desenvolver roupas sob medida para pessoas com deficiências.
A ideia é desenhar modelos de acordo com a limitação de cada um. A começar dela mesma, cadeirante, que tem dificuldade para vestir determinadas peças por causa de movimentos que não faz ou faz com dificuldade e ajuda de alguém. Ela cria shorts, vestidos, macacões e camisas com fechos em velcro para facilitar a vida de que vai colocá-las ou tirá-las. Luana ainda não se formou, mas já é designer da chamada moda inclusiva.
- Sempre tive essa ideia, mas a faculdade aprimorou meu conhecimento para poder desenvolvê-la. Fiz as primeiras peças para mim mesma no início do ano passado. E pensei que outras pessoas poderiam se beneficiar. Tem muito a ver com autoestima. Eu me senti mais humana, mais ambientada, quando passei a usá-las. Tudo que é para deficientes é como um saco, não tem estilo algum. Então, aliei praticidade e estilo. Por enquanto, faço mais “remodelos“, em cima de modelos das roupas que eu já tinha. Mas estou começando a desenhar modelagens. Ando pensando em colocar mangas retráteis em algumas peças. Mas ainda tenho que estudar muito de modelagem e ergonomia, sobre motricidade - diz a menina, que já tem logomarca para a Sweet Angels, que criou para um trabalho da aula de Marketing e registrou no Instituto Nacional de Produtos Industriais (INPI).
- A inovação só vem de uma necessidade. Eu hoje tenho minha mãe para me ajudar, mas como vai ser no futuro? Sempre tive dificuldades para me vestir. Os movimentos são complicados. Se tinha uma festa para ir, começava a me arrumar duas horas antes. Decidi que ia resolver este problema. Comecei a estudar como eram meus movimentos, quais eram minhas limitações. Para vestir um short, por exemplo, era super complicado. Ai veio a ideia de fazer o fecho lateral, em velcro. Com ele, faço apenas um movimento, o de me levantar, para me vestir. Uma roupa como essa me dá mais independência.
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Filha única, Luana nasceu prematura de 31 semanas, de parto natural. Tinha 1,1 Kg, e caiu para 900 gramas. Com o apoio dos pais - um policial militar e uma ex-funcionária do departamento pessoal de uma empresa de ônibus que largou tudo e ficou fazendo massas em casa, para vender, a fim de cuidar da filha -, cresceu e se desenvolveu. Desde pequena, fez tratamentos como equoterapia (com cavalos) e fisioterapia. Eles sonhavam vê-la tornar-se advogada. E ela até passou, pelo Enem, para Direito na Uerj e Letras na UFF. Mas o sonho de trabalhar com moda falou mais alto, e a menina foi com sua bicicletinha motorizada atrás dele. Sempre acompanhada da mãe, Glória, que de tanto acompanhá-la às aulas, chegou a ser convidada a fazer um curso também:
- Moramos em Rocha Miranda, e o campus é na Barra. Eu a levo de carro e fico esperando para voltarmos juntas. Até já me ofereceram a oportunidade de estudar lá. Penso em aceitar, pois gostaria de estudar Psicologia, e acho que levo jeito - anima-se ela, que no momento pensa em aprender a costurar para ampliar a parceria com a filha. - Sempre imaginei que minha filha conseguiria realizar seus sonhos. Nunca pensei em nada menos do que isso para ela. Eu sei o potencial que ela tem. Criei a Luana normalmente. Ela sempre foi muito vaidosa e boa aluna, nunca me deu dor de cabeça.
Na faculdade, Luana passou a integrar o núcleo de pesquisa Vida Sem Barreiras, criado há cerca de sete anos por um grupo de professores interessado em pesquisar temas como relação de idosos e anões com os espaços físicos. Eles contam com a participação de alunos como Luana, e produzem um blog para registrar trabalhos e experiências.
- Pesquisa daqui, pesquisa dali, vimos que os anões também precisavam de roupas especiais. Ai começamos a pensar em moda inclusiva. E veio a Luana com o projeto dela, que abraçamos na nossa pesquisa. Damos um suporte para o trabalho dela e, ao mesmo tempo, é como se ele fosse um laboratório nosso - explica Lourdes Luz, coordenadora da Escola de Design da UVA, que participou recentemente do Encontro Latino de Moda da Universidade de Palermo e apresentou o projeto lá. - Também estamos trabalhando com daltônicos (para ensinar uma nova linguagem de cores para eles). Um parceiro trouxe esta ideia para nós numa palestra. E alunos de design gráfico fizeram uma vinheta para eles.
Segundo Lourdes, esse tipo de trabalho de design - que passa pela arquitetura, pelo urbanismo - vem crescendo.
- São Paulo tem bons trabalhos nessa área. Os Estados Unidos também têm casos interessantes de design de produto. Na moda, é mais recente. Tem muita gente pesquisando, mas já vendendo, como a Luana, não sei... Ela trabalha por uma causa dela. Já nós não trabalhamos por uma causa particularmente nossa, mas que é nossa como cidadãos. Temos responsabilidade social como designers - diz ela, que prefere não classificar esse tipo de trabalho como sendo de design social. - Não sei se o termo social é adequado. Prefiro o design universal, que é um design para todos.
Não por acaso, a marca da Sweet Angels é o símbolo internacional da inclusão vestindo uma das roupas de Luana, com velcro do lado direito. O personagem é um anjinho de uma asa só, deficiente. E tem uma auréola pontilhada, para lembrar a costura. E também está em camisetas om frases criativas e contra o preconceito (com frases como " A beleza está nos olhos de quem vê... e nos de quem não vê também" e “E para o seu preconceito eu mando um beijo”), também criadas pela jovem designer, que produz tudo nos tamanhos P, M, G, a preços que variam de R$ 49 (short) a R$ 89 (macacão e vestido). A atual coleção é inspirada no Egito,e tem estampas de gatos, camelos, figuras humanas de perfil...
- Até agora, fiz tudo baseado nas minhas próprias dificuldades. Mas pretendo atender meus clientes particularmente. Quero vender minhas roupas numa loja de departamentos (a C&A pode ter um estande meu, por exemplo) e ter uma loja de e-commerce. Sonhar é comigo mesma. Quem sabe? |